“A saúde pública piauiense vive uma crise de prioridades”, alerta especialista diante dos problemas enfrentados em Parnaíba e Teresina, mesmo com bilhões investidos.
Foto: Reprodução/cidadeverde.com
Apesar do discurso otimista do governo estadual sobre os avanços na saúde pública, a realidade em cidades como Parnaíba e Teresina revela uma gestão marcada por desperdício de recursos, prioridades equivocadas e falta de resultados concretos.
Em 2025, o Piauí destinou mais de R$ 3 bilhões à saúde, cerca de 13,8% da receita, acima do mínimo constitucional. No papel, o número impressiona. Mas, na prática, a população ainda enfrenta filas intermináveis, unidades sem estrutura adequada e atenção básica fragilizada.
Parnaíba: estrutura de sobra, desempenho de menos
Com nove hospitais e quase 800 leitos, Parnaíba deveria ser referência no atendimento de saúde do litoral piauiense. No entanto, ocupa a 221ª posição no ranking do Previne Brasil, entre 224 municípios do estado. O índice, elaborado pelo Ministério da Saúde, avalia o desempenho da atenção primária em indicadores como pré-natal, vacinação e controle de doenças crônicas.
Em fevereiro de 2025, uma denúncia anônima revelou a grave crise no Hospital Estadual Dirceu Arcoverde (HEDA), em Parnaíba, destacando a falta de materiais básicos, como luvas e gaze, escassez de medicamentos e condições precárias de trabalho, sem que houvesse providências das autoridades.
Um denunciante descreveu o cenário:
“Os pacientes estão com feridas expostas, alguns bichos nos pés, e não há material disponível para cobrir os ferimentos. A situação já se arrasta há mais de uma semana, e não há previsão de reposição.”
Para o advogado eleitoral Wallyson Soares, o problema não é apenas falta de recurso, é gestão mal orientada. Ele defende que é preciso ampliar os instrumentos de transparência, garantindo que a população saiba, de forma clara e acessível, como e onde os recursos públicos destinados à saúde estão sendo aplicados e aponta maneiras de tornar isso possível:
“Deve-se mostrar de maneira clara e simples como o dinheiro público é gasto, aumentar a transparência, dar mais força e autonomia aos órgãos de fiscalização para evitar desperdícios e desvios, e garantir que os processos de compra do governo sejam justos e sem preços superfaturados”.
Em 2024, o governo estadual anunciou R$ 50 milhões em investimentos para o município, prometendo modernização da rede e ampliação de leitos. Entretanto, parte das obras ainda não foi concluída, e investigações do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PI) apontam indícios de irregularidades em contratos com organizações sociais de saúde (OSS) que administram hospitais na região.
Teresina: capital da saúde, mas com metas não cumpridas
Na capital, que concentra os maiores hospitais do estado e recebe pacientes de todo o Nordeste, os desafios não são menores.
Relatórios da Fundação Municipal de Saúde (FMS) mostram que, no último quadrimestre de 2024, a cidade não atingiu 90% das metas de vigilância sanitária, a análise de amostras de água, por exemplo, ficou em apenas 37,5%. Além disso, unidades básicas carecem de reformas, e há queda em índices de vacinação, como a cobertura pneumocócica infantil.
Wallyson ressalta que, enquanto o governo investe milhões em digitalização e grandes hospitais, os postos de saúde seguem sem estrutura mínima. Ele acrescenta que o sistema precisa funcionar de forma integrada entre estado e municípios:
“O sistema de saúde é único. Por isso é necessário o Estado dialogar com os municípios de forma institucional para, em conjunto, terem planejamentos claros integrando as ações de forma sincronizada”.
Outro desafio é simplificar e agilizar a regulação: “Tem pacientes que, quando não morrem, aguardam 6 meses, 1 ano, 2 anos para realizar exames, procedimentos ou cirurgias no SUS, a chamada fila do SUS”.
A grande parte dos atrasos e dificuldades no atendimento não decorre da falta de profissionais, medicamentos ou estrutura física, mas de burocracias e exigências menores que dificultam o acesso do paciente: “Isso tem que mudar”, alerta o advogado.
O governo federal anunciou recentemente R$ 230 milhões para o Piauí, incluindo repasses para o Hospital São Marcos e o Getúlio Vargas. Apesar disso, a aplicação dos recursos ainda é questionada, já que muitos municípios continuam sem melhorias efetivas em seus serviços.
Desperdício e prioridades equivocadas
Enquanto o estado exibe avanços tecnológicos e inaugurações, a atenção primária, base de qualquer sistema de saúde eficiente, continua enfraquecida.
Programas como o Piauí Saúde Digital registram mais de 1 milhão de atendimentos, mas especialistas alertam que o impacto real na saúde pública é limitado se não houver estrutura física, equipe e medicamentos disponíveis.
Wallyson Soares alerta para os desvios de recursos públicos e gastos em demandas não prioritárias, destacando a necessidade de aprimorar a gestão e investir em transparência, especialmente por meio de sistemas eletrônicos.
Para ele, é fundamental que a população tenha acesso detalhado a cada custo da saúde pública: “Precisamos ter uma obrigatoriedade real de planejamento de política de saúde alinhados com metas e monitoramento de resultados. Criar mecanismos de controle social com participação dos usuários”, esclarece.
A saúde digital enfrenta limitações, como a impossibilidade do contato direto com o paciente e restrições na realização de exames físicos, escuta clínica e investigações dermatológicas, além da dificuldade de os pacientes relatarem seus sintomas de forma satisfatória: “Então a telemedicina não substitui a presença física do profissional da saúde e deve ser uma transição para a saúde universal”.
Além do investimento em programas e tecnologia, é essencial que o Estado disponibilize medicamentos e uma estrutura de tratamento adequada dentro de prazos razoáveis, algo que, segundo ele, ainda não acontece.
Contradição entre números e realidade
Os números oficiais mostram que o Piauí cumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas a eficiência do gasto público continua sendo questionada.
Relatórios do TCE-PI e da Controladoria-Geral da União (CGU) já identificaram falhas em contratos e licitações, principalmente na gestão de hospitais por OSS, indício de que parte dos recursos pode estar sendo mal direcionada ou desperdiçada.
Enquanto isso, moradores enfrentam filas por consultas simples, hospitais com superlotação e falta de insumos básicos. Wallyson resume a situação: “A saúde pública piauiense vive uma crise de prioridades.”
Para ele, é preciso repensar as prioridades da saúde pública:
“A escolha do que é mais importante deve ser contínua e envolver planejamento com metas claras, acompanhamento dos resultados, participação da comunidade, comunicação eficiente e fortalecimento da prevenção e promoção da saúde”, conclui o especialista.
AsCom