PROCESSO DE TOMADA DE CONTAS na Corte da União vai apurar as responsabilidades

Raimundo Mendes da Rocha
Acabou a conversa. O Ministério do Esporte informou ao 180 na tarde da última quarta-feira (7), que a pasta vai instaurar Processo de Tomada de Contas Especial junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), visando identificar os responsáveis pelos danos ao erário provocados pelo sumiço de R$ 6 milhões repassados à Federação das Associações de Moradores do Piauí (FAMEPI), subordinada ao PC do B, do deputado federal Osmar Júnior. O objetivo do dinheiro, repassado através de convênio, era ser empregado na construção de quadras esportivas para crianças carentes em vários municípios do Piauí.
Tomada de Contas Especial é um processo devidamente formalizado, com rito próprio, para apurar responsabilidade por ocorrência de dano à administração pública federal e obtenção do respectivo ressarcimento. Ou seja, os envolvidos terão de devolver a quantia atualizada. O ex-presidente da FAMEPI, Raimundo Mendes da Rocha, um dos que devem ser responsabilizados, não conseguiu comprovar a aplicação correta do dinheiro. “A prestação de contas do convênio citado foi reprovada, por conta da ausência de documentos obrigatórios”, repassou o Ministério.
O caso voltou à tona início de setembro do ano passado, em pleno período eleitoral, quando cansado de procurar por Raimundo Mendes sem sucesso, o Ministério do Esporte fez publicar no Diário Oficial da União (DOU) um Edital de Notificação. Isso porque para a pasta, o comunista encontrava-se “em local incerto e não sabido”, mesmo ele sendo, vejam só, diretor jurídico da instituição e prestar expediente na sede do PC do B, onde trabalhou em prol da reeleição de Osmar Júnior, que não logrou êxito.
ERA VERDADE E A GENTE SABIA
Quando o fato foi noticiado pelo 180, ano passado, baseado em uma nota do jornalista da revista Época Felipe Patury, que ensejou a matéria veiculada neste portal sob o título “Comunista teria sumido com R$ 6 milhões de Ministério”, não se divulgou o Edital de Notificação, por já ter se checado que a notícia era crível. O Ministério estava realmente convocando o ex-presidente da FAMEPI a devolver o dinheiro de forma amigável.
Mas a matéria publicada no dia 9 de setembro pelo 180, às 10h38, desencadeou uma verdadeira operação do outro lado para desmentir o jornalista e o meio de comunicação. Anunciaram processar o site da revista Época e o portal de notícias. Quem via a indignação acreditava.
.

ONG que cuidava do Programa Segundo Tempo, a FAMEPI, é subordinada ao PC do B, e pelo menos um dos seus membros é filiado ao partido de Osmar Júnior.
Se dizendo profundamente indignada, uma assessora do deputado federal Osmar Júnior, a de imprensa, disparou inúmeras ligações pedindo retratação. Entre as investidas, como se quisesse fazer o jornalista culpado, vinham por mensagens repassadas pelo celular, ainda hoje guardadas, e uma delas dizia: “liguei para o escritório (...). A secretária disse que você passa o dia inteiro lá. Como fica em frente à casa da minha sogra, passo lá qualquer hora para a gente conversar (...). Você carregou nas tintas”. Inocentes, mas soou estranho.
Da parte da assessoria do deputado federal Osmar Júnior, veio também um desmentido oral veemente, por telefone, de que a informação “não procede”, que “a notícia era requentada e de 2011”, que “isso sempre era levantado na época de eleição”, que era um “factoide”, algo “já superado” e que “não existiam provas”. Inclusive, vejam só, que a prestação de contas teria o aval do Ministério do Esporte, que já teria se pronunciado sobre o assunto e estava tudo “ok”. Também alegaram que a publicação tinha o objetivo de prejudicar a campanha do parlamentar, mas não disseram como.
ENTRANDO NO JOGO
Depois das muitas insistências e até súplicas da assessora do deputado federal pelo PC do B, se decidiu receber o ex-presidente da FAMEPI na sede do 180. Mas ao invés dele explicar onde foram parar os milhões que o Ministério acredita foram surrupiados, ele apelou para ameaças de processo. Compareceu junto com ele o jornalista e atual presidente da FAMEPI, Antônio Araújo e o advogado da instituição, Genésio Nunes. Calmamente se ouviu todas as explicações, que tinha, segundo o trio, o objetivo de resgatar o mal feito à imagem de Raimundo Mendes da Rocha quando se deu divulgação aos fatos do conteúdo de Época.
No meio do ‘diálogo’, o jornalista Antônio Araújo, demonstrando ‘conhecer’ a essência do Jornalismo, classificou a notícia publicada pelo 180 - que não se resumiu a apenas divulgar a nota da Época, mas acrescentou mais informações - de “notícia requentada”, “um equívoco”, “injusta”, “não embasada”. “Estou falando como jornalista. Nós queremos o mesmo espaço, o mesmo tempo que ficou exposta”, exigiu, referindo-se à matéria publicada na manchete.

O trio que veio ao 180 exigir o reparo à imagem do ex-presidente da FAMEPI sob a ameaça de processo. O ex-presidente, o atual (jornalista) e o advogado.
Ao fim do encontro que durou pouco menos de meia hora, algumas últimas perguntas - aqui sim, se fazendo jornalismo - foram feitas ao então presidente da FAMEPI. “O senhor poderia me afirmar que o dinheiro enviado pelo Ministério do Esporte foi aplicado 100% de forma lícita?”. “Sim, foi sim”, respondeu. “O senhor nunca foi contactado pelo Ministério do Esporte?” “A prestação de contas se encontra à disposição do Ministério do Esporte. Nunca recebemos um contato do Ministério”. “O senhor não está mentindo?”. “Não, não estou”, finalizou.
No dia 11 de setembro, às 9h14, o 180 voltava a publicar uma outra matéria com o teor dessa conversa, que foi gravada sem que o trio percebesse, mas não para recompor a imagem do ex-presidente da FAMEPI, e sim para ratificar o que se havia divulgado antes. A matéria cujo título foi parecido - “Ministério quer devolução de repasse de R$ 6 milhões” - trazia, dessa vez, a notificação publicada no DOU, feita pelo Ministério do Esporte, além de uma posição oficial da pasta. “Caro (...), De acordo com a legislação que rege os convênios firmados com a União, o Ministério do Esporte publicou Edital de Notificação no Diário Oficial de 2 de setembro de 2014 (página 118), referente ao caso citado. Continuamos à disposição”. Bingo.

CALOTE OFICIAL:
Ministério do Esporte teve que publicar um edital convocando o ex-presidente da FAMEPI a devolver os R$ 6 milhões. Até hoje ele não apareceu com o dinheiro.
A partir daí, a operação ‘esperneia e abafa’ feita por membro do PC do B, se resumiu mas à assessora de imprensa, que procurou mais uma vez, em uma ligação para redação do 180, desqualificar o profissional responsável pelas notícias sobre o caso e tentar desmentir algumas atitudes por ela tomadas. Mas se antes já não tinha cacife, diante do vexame proposital a que foi exposta por tentar defender um grupo suspeito de assaltar o erário, a última matéria não lhe deixava mais qualquer resquício de credibilidade para suas novas investidas.
No dia 29 de setembro às 9h33, novamente o 180 voltava a tocar no assunto, através da matéria “Comunista não aparece com os R$ 6 milhões cobrados”. O texto informava que no prazo final para que Raimundo Mendes devolvesse os valores ele não o fez, e que preferiu usar uma brecha que trazia o Edital de Notificação publicado pelo Ministério. Dizia o documento: “até às 17h do dia 22 de setembro de 2014”, o notificado Raimundo Mendes da Rocha deveria “apresentar alegação de defesa ou recolher aos cofres da União” a quantia requerida. Quase uma ingenuidade da pasta achar que ele apareceria com o dinheiro. Mas são os ritos.
SOBRE VERSÕES E FATOS
Em uma ‘Carta ao Leitor’ da revista Veja, após a condenação do ex-todo poderoso ministro José Dirceu pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o semanário sustentou que “os políticos, de modo geral, habitam um mundo onde as versões predominam sobre os fatos, as imagens virtuais sobre a realidade e a linguagem é usada mais para esconder do que para mostrar. Por essa razão, quando forçados a abandonar seu universo paralelo e enfrentar o escrutínio da imprensa, o aguçado sendo comum da opinião pública ou a severidade da Justiça, eles partem para o ataque irracional”. Aqui não foi diferente.
O que se viu neste episódio, principalmente nos dias que se seguiram às duas primeiras divulgações, foi uma verdadeira e sórdida tentativa de inversão de valores. Dessa forma, quem noticiava as falcatruas daqueles que surrupiaram o dinheiro que beneficiaria jovens - evitando que eles fossem arrastados pelo tráfico ou pelo consumo de crack, através da prática esportiva -, deviria ser alijado; enquanto os malfeitores deveriam ser reverenciados.
Só que para porem em prática a missão ‘esperneia e abafa’, procuraram atacar o mensageiro, quando a fonte da informação era o próprio governo federal, que tomou atitudes após constatar o descalabro. A mobilização de um sistema, que envolveu profissionais de comunicação para abafar, acabou que não deu certo.
CHARLIE HEBDO - LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Coincidentemente, na quarta-feira trágica em que 12 pessoas foram mortas na França em um atentado à liberdade de expressão, dia em que mais de 100 mil pessoas foram às ruas em protesto e a favor da Democracia naquele país e no mundo, o Ministério do Esporte informou ao 180 que a “alegação de defesa”, a tal da fajuta prestação de contas que o ex-presidente da FAMEPI disse ter e chegou a apresentar, embora tardiamente, fora “reprovada”.
O ato ministerial ajudou a fortalecer a transparência e deu munição àqueles que lutam pelo direito de noticiar o que é de interesse público, sem que sejam impedidos. E como se vê, movimentos contrários a isso ainda existem, seja nos estados mais desenvolvidos ou nos mais atrasados, da forma mais grotesca ou sutil.
No entanto, não é difícil perceber, seja por atos simples como esse do governo federal, ou pelas amplas manifestações nas ruas, que fica cada vez mais evidente que o uso da ameaça, da força e do terrorismo, seja ele qual for, não é capaz de empurrar goela a baixo as versões ou as inverdades cegas, ainda que existam os ignorantes para tentar fazê-lo, como o caso citado nesta reportagem.
Isso porque os fatos são teimosos. Sempre encontram uma forma de virem à tona.
BEM...
Onde foi parar mesmo o dinheiro, senhor Raimundo Mendes da Rocha?
Repórter: Rômulo Rocha - Direto de Brasília para o 180 graus